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La Vie en Chérie

Para os apaixonados por moda, cinema, livros e por uma vida doce e divertida

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Livraria Chérie #21 - Sonetos

O meu fascínio por poesia já não é novo mas, apenas recentemente me dediquei a explorar este campo. Não é necessário ir muito longe, em Portugal temos excelentes poetas e alguns no feminino, como é o caso de Florbela Espanca. 

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Optei por ler uma colectânea, onde se encontram todos os livros por ela escritos, quer tenham sido publicados em vida ou de publicação póstuma, sendo que a edição que tenho tem um prefácio e ao longo do texto tem anotações de Noémia Jorge, que ajudam a compreender melhor a visão do sujeito poético, o que penso ser bastante útil. 

Ao longo de Livro de Mágoas, Livro de Sóror Saudade, Charneca em Flor e Reliquiae, os livros contidos na compilação, conseguimos compreender nitidamente o sofrimento vivido pela escritora ao longo dos seus trinta e seis anos. A poesia de Florbela é clara e recorre a uma linguagem acessível, o que facilita bastante a leitura da sua obra. Quanto à temática, predomina o amor, sendo na sua maioria das vezes referido e subentendido como algo doloroso e triste. Por outro lado, também a morte, a solidão e a ausência de reconhecimento são temas recorrentes, uma vez que o sujeito poético se sente bastante marginalizado, à parte da sociedade da época. 

O sofrimento vivido pela poetisa encontra-se bastante marcado na sua obra, o que, na minha opinião, a torna pessoal, aproximando-a do leitor. Gostei bastante, sendo que o meu livro preferido da colectânea é o Livro das Mágoas, onde se nota outra energia na escrita e nos temas. Em Charneca em Flor, penso que o tema mais recorrente deixa de ser o amor, tornando a obra um pouco mais sombria e talvez isso me tenha levado a gostar menos. 

Trata-se de uma colectânea pequena, para ler e reler ao longo da vida. 

 

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Livraria Chérie #20 - Crónica dos Bons Malandros

Mário Zambujal é um conhecido jornalista e comentador português, nascido em 1936 em Moura, no Alentejo. Apesar dos seus talentos no campo da escrita, foi apenas em 1980 que se estreou no mundo da literatura com Crónica dos Bons Malandros.

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Ao longo de nove capítulos conhecemos a quadrilha de Renato, O Pacífico, bem como aquele que promete ser o golpe mais audacioso da história dos assaltos. Na Lisboa do crime, soturna e misteriosa, cruzamo-nos com várias personagens, tendo cada uma direito a um capítulo, onde nos é explicada a sua história de vida e como se cruzaram no caminho de Renato, o líder da quadrilha protagonista. O referido grupo é composto por Pedro, O Justiceiro, Adelaide Magrinha, Flávio Doutor, Arnaldo Figurante, Silvino Bitoque e Marlene, a namorada de Renato. De uma forma ou de outra, todos se cruzaram no caminho do líder, fazendo com que este os considerasse indicados para integrarem o seu grupo.

Como consequência de um pedido vindo do estrangeiro, Renato e a sua quadrilha vêem-se envolvidos naquele que promete ser o assalto mais arriscado de sempre, mas também a porta de saída para uma vida melhor. A premissa é simples – roubar vinte e duas jóias de uma colecção do Museu Calouste Gulbenkian. No entanto, este crime tem tanto de brilhante como de perigoso e, como em todas as histórias, nem tudo o que parece é.

Neste livro o que cativa o leitor não é, de todo, a história ou as personagens, mas sim a análise que Mário Zambujal faz do que é ser malandro. Num tom cómico e divertido, acabamos por nos aperceber que ninguém entra no mundo da malandragem por desejo próprio, mas sim por arrasto ou escorregão, e acaba por se deixar ficar. É um livro pequeno, com menos de duzentas páginas, variando consoante a edição (eu li a edição que tem o prefácio de Gonçalo M. Tavares), que se lê num ritmo alucinante. Por muitos definido como a obra que consagrou Mário Zambujal, a mim deixou-me divertida sim, mas com sede, com vontade de conhecer mais sobre estes bons malandros, daí que a minha crítica o coloque apenas no suficiente. Na minha opinião é uma história muito engraçada, com imenso potencial, mas ainda assim, inaproveitada. Contudo, gostei da escrita de Zambujal e nesse aspecto aconselho vivamente, sobretudo se procuram algo divertido, claro, simples e objectivo.

 

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Livraria Chérie #19 As Dez Figuras Negras

Aqui há uns tempos partilhei convosco que queria muito ver a mini-série And Then There Were Nonea mais recente adaptação da obra com o mesmo nome, de Agatha Christie. Contudo, também decidi que teria de reler o livro em questão, por forma a lembrar-me bem dos pormenores daquele que é um dos meus livros favoritos de sempre, e sem dúvida o melhor que li desta escritora.

A obra foi publicada em 1939 e conta com vários títulos diferentes, quer nas versões inglesa/americana, quer nas lusófonas. Na versão original, britânica, o título é Ten Little Niggers, mas o livro ficou mais associado ao título americano, And Then There Were None, sendo que nas terras do tio Sam também é conhecido por Ten Little Indians. Já em Portugal os títulos variam entre Convite para a Morte e As Dez Figuras Negras, sendo que penso que este último, tal como o nome original, seja o mais sugestivo.

Trata-se do livro mais vendido de Agatha Christie, o qual era também um dos favoritos da autora. Já foi adaptado diversas vezes no teatro, cinema, televisão e rádio, entre outros. Mais do que um policial ou um thriller, As Dez Figuras Negras é um verdadeiro livro de suspense e terror.

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Dez pessoas viajam até uma mansão situada numa ilha isolada na costa do Devon. As razões que levam cada um desses desconhecidos até esse local são diferentes, e cedo os convidados se apercebem de que algo não bate certo. Nessa mesma noite têm a confirmação dessa suspeita: o anfitrião acusa cada um deles de ocultar um terrível segredo. Pouco depois, para surpresa de todos, um dos convidados morre subitamente. Na manhã seguinte, outra pessoa é encontrada morta. As restantes pessoas começam então a aperceber-se de que aquelas mortes não são uma coincidência, mas sim, obra do misterioso anfitrião, e que este não tenciona parar até que todos estejam mortos. A tensão atinge níveis insuportáveis, especialmente devido aos contornos macabros que envolvem cada um dos homicídios. É que cada um deles é feito de acordo com uma arrepiante lega-lenga infantil, e à medida que os assassinatos se sucedem, cada uma das dez figuras negras colocadas sobre a mesa de jantar são misteriosamente subtraídas...

 

Se este breve resumo vos deixou arrepiados, então já têm uma pequena amostra do crescendo de terror e suspense que se faz sentir ao longo das páginas deste livro. Ao mesmo tempo que os convidados na ilha vão ficando cada vez mais assustados, também nós, os leitores, vamos sofrendo com a antecipação do que virá a seguir, de quem será a próxima vítima, e de quem será, afinal, o autor desta ideia tão tétrica. 

Agatha Christie atinge aqui o seu expoente da sua imaginação ao contar uma história tão fascinante, que se torna quase impossível não ler o livro de seguida. Se da primeira vez que o li foi exactamente isso que fiz, desta feita demorei mais, saboreando os pormenores e o fim que já conhecia. A forma como esta história é contada é excelente, e durante a leitura também nós estamos presos com aquelas personagens, sofrendo com elas o pânico e terror daquela situação. Houve várias momentos que me deixaram verdadeiramente assustada, logo desde o início, porque é imediata a sensação de que algo está errado e, tal como num filme de terror, é possível sentir que algo de terrível está prestes a acontecer. Mesmo nesta releitura, voltei a sentir-me assim, tal é a mestria de Agatha Christie.

Não vou adiantar-me muito mais, porque penso que este é um daqueles livros dos quais menos se souber, melhor. Apenas adianto que o fim é verdadeiramente mindblowing. Em suma, este livro é excelente, excelente, excelente, e se ainda não o leram nem sabem o que estão a perder!

 

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Livraria Chérie #18 Anúncio de um Crime

No mês passado terminei a leitura de Anúncio de um Crime, mais um policial de Agatha Christie, mas a crítica ficou entretanto adiada. Até agora.

Esta obra data de 1950 e foi publicada sob o nome A Murder is Announced, sendo considerado um dos clássicos do género, e ainda um dos favoritos da própria autora.

A acção decorre na vilazinha inglesa de Chipping Cleghorn, onde é anunciado no jornal local que terá lugar um assassinato nessa sexta feira, em Little Paddocks, para o qual todos estão convidados. Esta é a residência de Letitia Blacklock, que aí vive com os seus primos Patrick e Julia, a sua amiga de infância Dora e duas empregadas. Ao lerem esta notícia, vários habitantes ficam intrigados, e decidem comparecer, pensando tratar-se de um jogo da dona da casa. Contudo, aí está o senão: também Letitia fica perplexa com esta notícia, pois não foi ela quem a publicou.

Chegado o dia fatal, os amigos reunem-se em Little Paddocks, as luzes apagam-se e o suspense começa. Soam tiros, o pânico instala-se e eis que o assassinato acontece.

 

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Neste livro temos a presença da famosa Miss Marple, que deslinda o caso, mas que tem um papel bastante secundário comparativamente com o do detective Dermot Craddock. Penso até que ela esteve um pouco "apagada", quando comparado com outros livros em que ela aparece. 

Gostei imenso de ler este livro, especialmente à medida que a trama avançava, e o enredo se adensava. Os capítulos finais foram especialmente entusiasmantes, tendo em conta as sucessivas revelações que se foram fazendo. O assassino não foi particularmente surpreendente, uma vez que já tinha ponderado essa hipótese várias vezes, mas a razão por detrás do crime sim. Aliás, foi o facto de não encontrar um motivo para esse personagem ser o assassino, que me fez abandonar essa hipótese. Mas obviamente que Agatha Christie com a sua mente genial conseguiu criar a história perfeita que explicasse o crime.

Nesta obra é abordado um tema comum a muitas situações de crime: o que é que as testemunhas realmente viram, ou ouviram, e até que ponto é que foi a sua mente a acrescentar pormenores, de acordo com aquilo que assumem que teria acontecido. Também existe uma forte componente psicológica que explica o crime, muito mais do que as típicas razões que geralmente são atribuídas, e que foi um dos pontos fortes deste policial. Além da escrita de Christie ser, como sempre, muito boa, penso que nesta obra ela desenvolveu mesmo bem as personagens, e isso fez toda a diferença. Noto isto especialmente quando comparo este livro com os dois últimos que li da autora, A Casa Torta e O Cavalo Pálido, que não tiveram personagens tão interessantes. O assassino deste livro, por exemplo, foi bastante mais bem criado e tem uma evolução mais complexa. Assim, senti-me realmente parte daquele ambiente, e motivada a conhecer e acompanhar aquelas pessoas. Não deixem de ler!

 

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Livraria chérie #17 - O Intruso

O Intruso ou melhor, Intruder in the Dust, como foi apelidado no seu original, publicado pela primeira vez em 1948, é um romance de William Faulkner. 

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Faulkner ganhou o prémio nobel da literatura em 1949, sendo considerado um dos maiores escritores do século XX. 

Neste seu romance que, demonstra leves toques de policial, a acção centra-se numa cidade sulista dos Estados Unidos da América, no condado fictício de Yoknapatawpha. Logo na primeira página conhecemos Lucas Beauchamp, um homem negro, acusado de matar um homem branco, Vinson Gowrie, com um tiro nas costas. O protagonista nunca se define como inocente ou culpado, aceitando com dignidade a infelicidade do seu destino. Por outro lado, toda a sociedade, extremamente racista e preconceituosa, considera Lucas culpado e decide linchá-lo em plena praça pública após o enterro de Vinson. 

Paralelamente, é dada a conhecer a vida de Lucas e, como o facto de ele ser descendente de uma família importante, influenciou a sua personalidade, por muitos descrita como insolente.

Aparentemente o destino de Lucas está nas mãos de Chick Mallison, um jovem de 16 anos, que ele salvara tempos antes, após uma queda num lago gelado. Chick proveniente de uma família bastante abastada, sendo, inclusive, sobrinho do conceituado advogado Gavin Stevens, não consegue compreender qual a razão de Lucas não aceitar uma recompensa monetária por ter salvo a sua vida. Deste modo, o jovem vê Lucas como alguém auto-absorvido na sua honra e dignidade. 

Deste modo, quando Chick ouve que Lucas foi preso pela morte de Vinson, descarta imediatamente a hipótese de o acusado ser realmente culpado. É então que o tio de Chick, Gavin, é convocado por Lucas, para ser o seu advogado. No entanto, Lucas considera que o crime por que está a ser acusado é tremendamente absurdo e pouco faz para provar a sua inocência. Consequentemente e, por oposição a Chick, o seu tio, apesar de não ser um mau homem, assume (precipitadamente) que Lucas é culpado, tentando convencê-lo a declarar-se como tal e a pedir clemência.  

Lucas pede, então, a Chick que o ajude a limpar o seu nome. Para tal, o jovem tem que desenterrar o corpo de Vinson afim de provar que não foi a Colt 41 de Lucas que o assassinou. Assim, Chick Mallison, o seu amigo Aleck Sander e uma senhora de setenta anos, Miss Habersham, amiga da falecida mulher de Lucas, iniciam a sua demanda para desenterrar Vinson Gowrie e provar a inocência de Lucas Beauchamp.

A escrita de Faulkner é irrepreensível, porém, por vezes, complicada, uma vez que, este autor recorre à técnica do fluxo de consciência. Assim, toda a narrativa é contada através de um exame crítico e fidedigno da consciência de cada personagem, como se de um monólogo interior se tratasse.

Este romance é uma verdadeira crítica ao preconceito sulista e ao racismo da sociedade. No entanto, Chick, a personagem principal, é um misto dos dois lados da história - proveniente de uma família sulista numa sociedade preconceituosa, acaba por confiar num negro acusado de homícidio, chegando a comprometer a sua integridade para o defender. Chick é a personificação da esperança numa sociedade mais equalitária. 

Leiam. Não se vão arrepender. 

 

Classificação:

P.S - O livro foi adaptado ao cinema em 1949. 

Neste Dia... 6 de Novembro

Hoje prestamos homenagem a uma das maiores escritoras portuguesas: Sophia de Mello Breyner Andresen. Se fosse viva, a escritora nascida no Porto, em 1919, faria hoje 96 anos.

Nascida numa família com raízes aristocratas, estudou Filologia Clássica na Universidade de Lisboa, apesar de nunca ter concluído o curso. Durante a sua juventude foi dirigente de movimentos universitários, escreveu para uma revista, e pertenceu a movimentos políticos que se opunham ao regime. Casou-se em 1946, tendo cinco filhos, entre os quais o também escritor, Miguel Sousa Tavares. Chegou a pertencer à Assembleia Constituinte do Porto, para a qual foi eleita em 1975. 

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Na escrita, distinguiu-se principalmente enquanto poetisa, mas também enquanto escritora de livros infantis. Na sua obra, a Natureza e o mar são temas predominantes, bem como a infância, a justiça  ou a vida e a morte. Entre 1945 e 2001 publicou mais de 20 livros de poesia, escreveu peças de teatro e vários ensaios, e foi ainda responsável pela tradução de grandes obras clássicas, como Medeia ou Hamlet. Publicou ainda 10 livros de contos, a maioria dos quais infantis. Ao longo da sua carreira recebeu vários e prestigiados prémios, entre os quais se encontram o Grande Prémio da Sociedade Portuguesa de Autores, o Grande Prémio Calouste Gulbenkian de Literatura para Crianças, ou o Prémio Camões, em 1999, o mais importante galardão da literatua portuguesa, sendo que foi a primeira mulher a receber esse prémio.

Sophia viria a falecer a 2 de Julho de 2004, com 84 anos, sendo que em 2014 o seu corpo foi transferido para o Panteão Nacional.

Pessoalmente, não conheço muito da sua obra poética, mas li muitos dos seus contos infantis. A Fada Oriana, O Rapaz de Bronze, A Menina do Mar, A Floresta ou O Cavaleiro da Dinamarca fazem parte do meu imaginário infantil, e foram dos melhores livros para crianças que tive oportunidade de ler.

Livraria Chérie #16 - Hoje Preferia Não Me Ter Encontrado

Apesar de ter adquirido este livro numa promoção há muito tempo, apenas comecei a sua leitura há cerca de dois meses. O que me incitou ao processo de leitura foi o facto de pertencer à vencedora do Prémio Nobel da Literatura de 2009 – Herta Müller. A par com este factor, também se tornou preponderante trata-se de um retrato da Roménia comunista em que a própria autora viveu. 

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No entanto, desenganem-se aqueles que procuram neste livro uma denúncia ou uma crítica acentuada ao regime político. Neste romance é, por outro lado, abordado o estilo de vida, o modus vivendi, no fundo a vida privada de todos e de cada um.

“Fui intimada”. Este é o fio condutor de todo o livro, é o acontecimento que conduz o desenrolar da história, aquilo que nos permite conhecer a narradora. Ao ser constantemente intimada, a jovem narradora é obrigada a comparecer nas instalações da Securitate (a polícia secreta romena), às dez em ponto. No entanto, desta vez, ela tem um pressentimento de algo correrá de forma diferente. É então, ao entrar no carro eléctrico que a levará até ao Major Albu, que começa a recordar toda a sua vida, descortinando cada pormenor no ambiente envolvente.

Vários são os temas abordados neste romance, desde a infância na cidade de província, a fixação semierótica no pai, a deportação dos avós, o casamento ingénuo com o filho do “comunista perfumado”, até à felicidade precária que vive com Paul, apesar do fardo que a bebida impõe ao amor que ela lhe dedica.

No entanto, nas últimas páginas a história sofre uma mudança repentina no seu curso. Quase chegada ao destino, há uma altercação no carro elétrico que leva o guarda-freio a saltar precisamente a paragem em que a protagonista devia sair. Quase na hora do interrogatório, vê-se então numa rua desconhecida, onde descobre Paul com um velho de aspeto suspeito e, é então que decide não comparecer junto do Major Albu. 

No que respeita à estrutura deste romance, é composto por duas narrativas pararelas: o mundo “actual” que vive no carro eléctrico, e o mundo das recordações, onde deambula nas suas próprias memórias. A divisão não é clara, pois não tem os capítulos demarcados. No entanto, este é o tipo de livro que devemos encarar como sendo uma história que um familiar/amigo nosso nos está a contar. Uma narrativa simples e clara, com uma escrita fluída e sem excessos.

Cheio de expressões e pensamentos que nos fazem vaguear pelas nossas próprias recordações, deixo-vos a minha favorita:

Sentia-me sem idade e, na maioria das vezes, entre livre e solitária, não conseguia definir ao certo o meu estado de espírito. Viver só não era nem fardo nem gosto. 

Na minha opinião pessoal, não é um livro fácil, deve ser lido com o espírito que referi, como uma conversa casual com alguém. O que mais me deixou reticente relativamente a Müller foi a ausência de estrutura na sua escrita, assim como a frieza com que a protagonista narrava a sua própria vida.

 

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Livraria Chérie #15 O Último Cais

O livro que me acompanhou no passado mês de Setembro foi O Último Cais, um romance da jornalista e escritora portuguesa Helena Marques. Foi o seu primeiro livro, tendo sido publicado em 1992, e tendo vencido vários prémios. Actualmente faz parte do Plano Nacional de Leitura.

A história decorre maioritariamente no Funchal durante o século XIX, e acompanha várias personagens de algumas famílias madeirenses, focando-se maioritariamente na vida de Marcos Vaz de Lacerda, e na sua esposa, Raquel Passos Villa. Todos os outros personagens do livro encontram-se relacionados de alguma forma com este casal, sendo que cada capítulo desta obra se foca num núcleo de personagens diferente.

Marcos e Raquel eram ainda jovens quando se casaram, tendo construído uma família feliz com os dois filhos, André e Benedita. Marcos é médico e viaja bastante, sendo através dele que ficamos a conhecer a realidade política da época, em que vários países africanos procuravam obter a sua independência das grandes potências europeias. Raquel é uma sonhadora feliz que nos dá a conhecer a perspectiva feminina da época e que funciona como um modelo para as restantes mulheres, pela sua personalidade forte, mas também pelo seu espírito feliz.

 

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Este livro é maioritariamente um livro de mulheres, em que estas assumem protagonismo, e em que cada uma delas representa uma diferente forma de encarar a vida, mas em que todas têm um carácter forte e digno, procurando construir as suas vidas de acordo com aquilo que acreditam, e sem terem de se sujeitar aos seus familiares, como seria de esperar na época.

Ao longo dos vários capítulos são-nos apresentadas diferentes perspectivas da sociedade madeirense e portuguesa da altura, focando-se em vários temas como o papel da mulher, feita para o casamento e para ter filhos, e de quem se espera sempre um comportamento exemplar, e por oposição a esta, a liberdade do homem para viajar, para adulterar, para trabalhar, para ser livre sem prestar contas a ninguém. O casamento é abordado várias vezes, mostrando-se através de vários pares as diferentes realidades que cada casal encontra. Outros assuntos abordados são a bigamia; o sufrágio feminino; a religião e o papel da Igreja e de Deus na sociedade, bem como as dúvidas existenciais que lhe são inerentes; a educação e o trabalho femininos; a infertilidade, entre outros.

Como podem perceber pelos temas abordados, este é um livro humano, em que se aborda o ser humano no seu todo: físico, emocional, intelectual, filosófico e espiritual, e que nos leva juntamente com as personagens numa viagem pelas suas vidas, principalmente naquilo que se passa dentro de cada uma, o que sentem, o que pensam, como se relacionam.

Muitíssimo bem escrito, articulado e cativante, é fácil perdermo-nos nas descrições feitas, seja dos ambientes, seja das personalidades de cada um, e sentirmo-nos parte do seu pequeno universo. A escrita é a meu ver, quase poética e musical, com um toque familiar, que explica o nosso fácil envolvimento com as histórias relatadas. Poderá não ser o livro mais original que li, mas é um retrato fiel da época e do ser humano, das suas dúvidas e pensamentos, dos seus sentimentos e das várias fases que este atravessa.

Trata-se de um livro relativamente pequeno, não chegando a 200 páginas na edição de bolso, mas que só é pequeno no tamanho. Recomendo vivamente.

 

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Livraria Chérie #14 - O Estilete Assassino

Ken Follett volta novamente a ser o protagonista desta rubrica, desta vez com O Estilete Assassino, no original The Eye of the Needle. 

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O livro procura contar três histórias que decorrem em paralelo, numa teia de acontecimentos que as fará cruzar. Tendo com pano de fundo a Segunda Guerra Mundial, encontramo-nos em 1944, a pouco tempo do Dia D – o desembarque na Normandia.

Ao longo dos capítulos iniciais conhecemos um agente secreto de Hitler, cujo nome de código, Agulha (The Needle, no original), é justificado graças à arma que usa nos seus assassinatos implacáveis. Este agente frio e calculista é encarregue de descobrir quais os recursos de que dispõem os Aliados. No entanto, desvenda que tudo não passa de uma manobra de diversão para enganar o inimigo. Rápido compreende que tem que avisar o seu país. Porém, nem tudo é assim tão linear e entretanto já se encontra montada uma verdadeira caça ao homem.

No encalço do espião encontram-se Percival Godliman e Frederick Bloggs, uma dupla promissora mas com uma missão de uma dificuldade exorbitante.

A par com estas duas histórias, cujo cruzamento parece desde logo óbvio, encontramos Lucy e David, um jovem casal cuja felicidade foi amaldiçoada desde o primeiro dia. No dia do seu casamento tiveram um grave acidente de carro e David ficou sem pernas, preso a uma cadeira de rodas. Em busca da felicidade que viviam enquanto namorados, mudam-se para uma ilha inóspita ao largo da costa Irlandesa.  

Será que o espião consegue fugir? Triunfará o amor de David e Lucy? Percy e Fred conseguirão concretizar a sua missão?

A escrita revela-se novamente excelente, a par com o enredo, que envolve o leitor e o torna num consumidor compulsivo deste thriller muito bem conseguido. Ao longo de cerca de 400 páginas, damos por nós a ler avidamente, em busca do próximo desenvolvimento, do próximo acontecimento ou do próximo pormenor. O desfecho não é previsível, bem ao estilo de Ken Follett, apesar de ter momentos que o leitor consegue claramente antecipar.

Sem descrições desnecessárias, com personagens complexas e um rigor histórico arrebatador, é um policial que sem dúvida vale a pena adicionar à biblioteca.

 

Classificação: 

Livraria Chérie #13 O Cavalo Pálido

Para mim Verão já não é Verão se não incluir a leitura de pelo menos um policial da Agatha Christie, e desta feita foi a vez d'O Cavalo Pálido, obra publicada inicialmente em 1961 sob o título The Pale Horse.

A premissa é a seguinte: o padre Gorman é chamado ao leito de morte da senhora Davis, a qual lhe confia um segredo e uma misteriosa lista de nomes. Nessa mesma noite, ao dirigir-se para casa, o padre é assassinado, levantando suspeitas devido à folha de papel que transportava. 

O livro é contado maioritariamente segundo a perspectiva de Mark Easterbrook, um escritor que se vê envolvido na investigação deste crime por conta própria, e que julga que esta morte poderá estar relacionada com o enigmático e letal Cavalo Pálido.

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A capa da minha edição e a capa da edição que mais frequentemente se encontra à venda

 

Neste livro não há a presença de nenhum dos mais famosos detectives criados por Agatha, muito embora alguns personagens recorrentes marquem presença, como seja o caso da excêntrica escritora Ariadne Oliver. Easterbrook revela-se um protagonista interessante, que desde o início revela sensatez e um raciocínio perspicaz, e que acaba por colaborar com o Inspector Lejeune na resolução do caso.

Este foi o 9º policial que li desta escritora e penso que foi aquele que menos "me preencheu as medidas". Não me interpretem mal, a Duquesa da Morte não falha; quer na escrita, que é sempre eficaz, aliciante e que nos obriga a pensar e meditar sobre as teorias relacionadas com a identidade do assassino, bem como as teorias filosóficas dos personagens; quer na revelação do assassino, que é mais uma vez surpreendente, mas que pela primeira vez me desiludiu. Penso que a opção mais óbvia teria sido mais interessante e levantaria mais questões.

Neste livro temos uma forte componente mística associada ao Cavalo Pálido, acerca do qual não quero revelar muito, para que descubram tal como eu ao que este se refere. Logo nos primeiros capítulos "assistimos" a uma discussão sobre uma encenação de Macbeth, a qual dará algumas pistas sobre o verdadeiro tema do livro. Contudo, eu não sou grande fã de livros com esta temática, especialmente quando têm um papel tão importante na trama. Felizmente, a escritora enveredou pela resolução céptica do caso, tal como faria mais sentido. O problema foi que desde cedo que eu me consegui aperceber da razão pela qual o padre Gorman tinha sido assassinado, bem como da relação entre a lista de nomes que este possuía e o Cavalo Pálido. Ou seja; apesar de a identidade do assassino ter sido surpreendente, o processo utilizado foi bastante óbvio para mim.

Em geral foi um livro cativante, com bons personagens e um enigma interessante, sendo a autora conseguiu assustar-me numa certa parte da trama, mas do qual esperava bastante mais.

 

Classificação: 

 

(E logo por sorte este livro é precisamente o 13º da nossa lista! Há com cada coincidência!)