Livraria Chérie #16 - Hoje Preferia Não Me Ter Encontrado
Apesar de ter adquirido este livro numa promoção há muito tempo, apenas comecei a sua leitura há cerca de dois meses. O que me incitou ao processo de leitura foi o facto de pertencer à vencedora do Prémio Nobel da Literatura de 2009 – Herta Müller. A par com este factor, também se tornou preponderante trata-se de um retrato da Roménia comunista em que a própria autora viveu.
No entanto, desenganem-se aqueles que procuram neste livro uma denúncia ou uma crítica acentuada ao regime político. Neste romance é, por outro lado, abordado o estilo de vida, o modus vivendi, no fundo a vida privada de todos e de cada um.
“Fui intimada”. Este é o fio condutor de todo o livro, é o acontecimento que conduz o desenrolar da história, aquilo que nos permite conhecer a narradora. Ao ser constantemente intimada, a jovem narradora é obrigada a comparecer nas instalações da Securitate (a polícia secreta romena), às dez em ponto. No entanto, desta vez, ela tem um pressentimento de algo correrá de forma diferente. É então, ao entrar no carro eléctrico que a levará até ao Major Albu, que começa a recordar toda a sua vida, descortinando cada pormenor no ambiente envolvente.
Vários são os temas abordados neste romance, desde a infância na cidade de província, a fixação semierótica no pai, a deportação dos avós, o casamento ingénuo com o filho do “comunista perfumado”, até à felicidade precária que vive com Paul, apesar do fardo que a bebida impõe ao amor que ela lhe dedica.
No entanto, nas últimas páginas a história sofre uma mudança repentina no seu curso. Quase chegada ao destino, há uma altercação no carro elétrico que leva o guarda-freio a saltar precisamente a paragem em que a protagonista devia sair. Quase na hora do interrogatório, vê-se então numa rua desconhecida, onde descobre Paul com um velho de aspeto suspeito e, é então que decide não comparecer junto do Major Albu.
No que respeita à estrutura deste romance, é composto por duas narrativas pararelas: o mundo “actual” que vive no carro eléctrico, e o mundo das recordações, onde deambula nas suas próprias memórias. A divisão não é clara, pois não tem os capítulos demarcados. No entanto, este é o tipo de livro que devemos encarar como sendo uma história que um familiar/amigo nosso nos está a contar. Uma narrativa simples e clara, com uma escrita fluída e sem excessos.
Cheio de expressões e pensamentos que nos fazem vaguear pelas nossas próprias recordações, deixo-vos a minha favorita:
Sentia-me sem idade e, na maioria das vezes, entre livre e solitária, não conseguia definir ao certo o meu estado de espírito. Viver só não era nem fardo nem gosto.
Na minha opinião pessoal, não é um livro fácil, deve ser lido com o espírito que referi, como uma conversa casual com alguém. O que mais me deixou reticente relativamente a Müller foi a ausência de estrutura na sua escrita, assim como a frieza com que a protagonista narrava a sua própria vida.
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